Querida Cora, você não me conhece, mas me representa em quase tudo. Portentoso esse artigo que você escreveu ao Maestro Ripper na página dele mesmo. Entrei ali para postar minha solidariedade e lamentar tamanha idiotice, mas, diante de você, nada tenho a acrescentar. Apenas lamentar, também, que nenhum artista do Municipal tenha se manifestado em relação a demissão do Maestro Ripper. Como sempre, eles se omitem, seja por um papel, seja pelo salário em dia. Sei, ele sabe, você também, Cora, que estamos em enormes dificuldades, mas não foi o mérito dos artistas que os premiou com salário em dia, apenas conchavos políticos sujos, imundos. Por isso mesmo, não entendo a omissão, o medo de desagradar, a falta de reconhecimento. Cora, através de você quero dizer: Maestro, muito obrigada por sua gestão extraordinária, por sua capacidade, competência e honestidade. E, se em algum momento houver algum movimento de protesto contra sua saída, conte comigo em todos os níveis. Um abraço a ambos.
COM AUTORIZAÇÃO DE CORA RÓNAI
Cora Ronai
23 de fevereiro às 00:07 · Rio de Janeiro ·
É tanta coisa errada acontecendo ao mesmo tempo nessa cidade, nesse estado, nesse país, nesse mundo — e eu só não falo de outros mundos e do sistema solar e da galáxia e das outras galáxias todas porque me faltam elementos, mas tenho certeza de que há alguma coisa fora da ordem por lá também — que fica difícil escolher a pauta da indignação.
Não dá para falar de tudo o que me deixa indignada ultimamente porque tenho uma vida fora da indignação, uma vida que demanda certa atenção — almoçar, jantar, pagar contas, tomar banho, trocar lâmpadas.
Mas hoje estou revoltada com a saída do João Guilherme Ripper da direção do Theatro Municipal. Ripper é compositor e maestro, veio de uma administração muito bem sucedida na Sala Cecília Meireles e, junto com André Cardoso, estava fazendo milagres no Municipal, onde conseguiu produzir uma boa temporada de espetáculos em meio ao mais absoluto caos financeiro.
Tão absurda quanto a sua saída é o alegado motivo para a sua demissão: “popularizar” o TM.
O Theatro Muncipal não precisa ser “popularizado”.
O Theatro Municipal precisa, antes de mais nada, ser viabilizado.
O Theatro Municipal precisa de verbas, precisa de respeito.
Não pode ser mercadoria de troca política, um cacho de carguinhos no toma lá dá cá entre o governo e câmara.
Ele não é um “centro cultural” daqueles que os políticos inauguram às dúzias em qualquer garagem para dizer que estão fazendo alguma coisa pela cultura. Ele é uma máquina rara e preciosa, o coração tradicional da música clássica do Rio, a casa onde funcionam uma orquestra, um coro e um corpo de baile, grupos dedicados a um tipo muito específico de arte.
Precisa ser dirigido por quem conheça a área, por quem tenha experiência em tocar a complexa administração de um teatro assim, com todos os seus problemas técnicos, artísticos e humanos.
Um teatro como o Municipal se populariza, de verdade, com temporadas a preços acessíveis, e com a ampla divulgação do seu trabalho — e não com “investimento em música popular”.
A contratação de Milton Gonçalves, figura indiscutivelmente querida e carismática, não é “um tapa na cara da música clássica”, como já ouvi essa tarde. É um soco no meio da fuça, um jab demolidor que vai acabar de vez com um organismo frágil que se mantém a duras penas, ao custo do amor e da abnegação de equipes que vem trabalhando sem recursos e, nos últimos tempos, até sem salários.
Milton Gonçalves, como diz orgulhosamente o populista que o pôs no cargo, “é o primeiro presidente negro do Theatro Municipal”.
É importante isso, e há mérito nessa escolha.
Mas o problema é que o Municipal não se dirige com a cor da pele. O Municipal não precisa de um presidente negro, amarelo, cinza ou rosa choque. O Municipal precisa de um presidente — de qualquer cor, credo ou orientação sexual — que realmente viva e respire música clássica, e que tenha experiência na gestão de grandes teatros, ou a sua já precária estrutura desmorona de vez.
O resto é demagogia, e política da mais rasteira.
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