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De Luis para Aldo e Suzana

outubro 10, 2014

Luis Arrieta enviou-me esta carta, dirigida a Ivan.
O que mais amo em Arrieta é sua capacidade de enxergar dentro da gente e de expressar o que sentimos com rara sensibilidade. Não por acaso, ele é o Poeta da Dança.
Esse texto me emocionou. Muito!!!
Deixo-o com vocês, amigos a admiradores de Aldo e Suzana, e para os indiferentes à importância que eles têm para nossa história. Quem sabe, ele conseguirá tocar o coração de vocês.
Eliana Caminada

A mensagem de Eliana no telefone me comunicava, com voz notoriamente embargada, a morte de Suzana depois de anos de sofrimento e muitos dias de internação. Liguei rapidamente para ela e fiquei sabendo também do falecimento do Aldo três dias antes. Senti como esta última semana estava arrebatando de um só golpe parte de uma geração de mestres e construtores das sendas que graças a eles ficaram mais largas e aplainadas para nossa caminhada. Mais tarde falei com Tatiana e ela, com sua infinita força inimaginável, depois de ter cuidado maternalmente de ambos nos últimos dias, ainda lutava contra a ignorância para conseguir a permissão junto à direção do Theatro Municipal do Rio de Janeiro para que amigos, admiradores e o povo da cidade pudessem despedir-se dele no espaço que ele mesmo ajudou a crescer e que durante tantos anos foi diariamente sua casa.
Tive a sorte e o privilegio de conhecer Aldo logo que cheguei ao Rio, numa de suas derradeiras apresentações num espaço singular do Museu de Arte Moderna. Era o pas-de-deux da cena do balcão de Romeu e Julieta, junto a Eliana, embalados na composição de Eric e a música de Prokofiev. Pouco tempo depois fui seu aluno e recebi os ensinamentos e a energia das suas preciosas aulas no estúdio de Tatiana em Copacabana.
Suzana foi-me apresentada primeiramente através das suas palavras carregadas de conhecimento, experiência, força e visão renovada expressadas em matérias e críticas de jornais e revistas. Com o tempo foi meu trabalho motivo e matéria de suas análises. A seguir muitos festivais juntos, sua amizade e o trabalho compartido.
Na aula que dei nesse dia, ainda emocionado, comuniquei aos bailarinos os falecimentos de Suzana Braga e Aldo Lotufo. Logo percebi que para esta geração de internet, face book e whats app, estes nomes não faziam eco. Tentei em poucas palavras apresentá-los e, enquanto o fazia, lembrei da conversa com Eliana que chorosa recordava o tempo da adolescência que tinham partilhado ela, Aldo, Suzana e Eric, tempos de sonhos e desejos sem limites, quando estudavam e descobriam no movimento no só a arte e a dança, mas a vida aberta à frente como um horizonte largo, próximo e fugidio, que ao correr trás ele faziam com seus largos passos de bailarinos girar a terra, sulcando e alargando a estrada já encontrada e recebida para que outros como eu, como tantos outros e outros pudéssemos percorrê-la com passo mais seguro, para que outros possam conservar nas pupilas os traços dos seus gestos impressos no ar, para que outros como estes jovens alunos que me escutam hoje possam juntos continuar sonhando o sonho do rei David, de Santo Agostinho, de Nietzsche, de Deus.

Luis Arrieta
São Paulo, 8 de outubro de 2014